Ciência e mito - Wolfgang Smith
Houve uma época em que se pensava na ciência como uma simples descoberta de fatos. É simplesmente
um fato, pensava-se, que a Terra gira em torno do Sol, que força é igual a massa vezes aceleração ou que
um elétron e um pósitron interagem para produzir um fóton. Era como se os fatos “dessem em árvores” e
precisassem apenas ser “colhidos” pelos cientistas. Ao longo do século XX, entretanto, descobriu-se que
esse pressuposto habitual não era realmente sustentável. Revelou-se que os fatos e teorias não podem,
enfim, ser separados; que “os fatos estão carregados de teorias”, como dizem os pós-modernistas. A
velha idéia de que os cientistas primeiro acumulam fatos e então constroem teorias para explicá-los
mostrou-se uma simplificação exagerada. Por trás de cada cientista, há necessariamente um paradigma −
um “mito”, pode-se dizer − que determina o que é e o que não é reconhecido como fato. Quando, em
1774, Joseph Priestley aqueceu o óxido vermelho de mercúrio e coletou um gás que hoje é chamado de
“oxigênio”, será que ele de fato descobriu o oxigênio? No entender do próprio Priestley, ele havia
encontrado “ar deflogisticado”![ 16 ] Para se descobrir o oxigênio, algo mais é necessário, além de um
frasco de gás: uma teoria, a saber, em função da qual esse gás possa ser interpretado ou identificado.
Somente depois que Lavoisier, uns poucos anos mais tarde, construiu tal teoria é que o oxigênio (ou a
existência de oxigênio, como se queira) se tornou um fato científico estabelecido.
Assim como o pensamento nunca “escapa à linguagem”, nas palavras de Wittgenstein, também a ciência
nunca “escapa” de seu próprio paradigma. É verdade que os paradigmas algumas vezes são descartados e
substituídos; isso acontece, de acordo com o historiador e filósofo Thomas Kuhn, logo após uma crise,
quando o paradigma vigente não pode mais acomodar todas as descobertas às quais, em um certo sentido,
conduziu. Mas, embora possa de fato superar algum paradigma em particular, a ciência jamais supera sua
necessidade de paradigmas: em uma palavra, o “elemento mítico” da ciência não pode ser exorcizado. E,
com efeito, no instante em que nega seu fundamento “mítico”, ela se torna ilusória e, por conseguinte,
passa a ser “mítica” no sentido pejorativo da palavra.
O primeiro dos três “paradigmas vigentes” que selecionei foi o newtoniano, o qual define a noção de
um mundo mecânico ou de um universo maquinal. O que existe, supostamente, é a “matéria crua” cujas
partes interagem por meio de forças de atração ou repulsão, de forma que o movimento do todo está
determinado pela disposição das partes. De
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