vodum-dom-manoel-o-venturoso,-rei
Mas onde está o Nobre mineiro em meio a essa narrativa?
As associações entre a entidade sagrada e a personalidade histórica podem ser observadas na ação ritual.
Existe uma doutrina que comumente se canta nos terreiros em louvação a Dom Manuel, cuja letra é a seguinte:
“Andei, Andei
Eu passeei pelo fundo
Senhores me dê notícias
De Dom Manuel Rei do Mundo”.
Ela se refere a Dom Manuel, o encantado do Tambor de Mina, como “o rei do mundo”. Aquele que conseguiu dominar o globo, ampliar suas fronteiras, levar a bandeira portuguesa para os quatro continentes, de forma que um pedaço de terra encurralado entre o Mediterrâneo e a Espanha tenha ganhado proporções mundiais.
“Dom Manuel
Levante a sua bandeira Dom Manuel
Levante a sua bandeira Da outra banda de cá Da outra banda de lá Da outra banda de cá Da outra banda de lá.”
A bandeira aí referida não só diz respeito ao império português, mas também ao cristianismo que se espalhou pelas terras da coroa lusitana. Des- taco a inserção da Companhia de Jesus no Brasil, em Goa, nos domínios africanos etc.
Os escritores portugueses chegaram a comparar Goa a Roma, considerando que essa cidade serviu de polo de expansão católica para a Ásia.
A ligação com Roma novamente é mencionada.
“Dom Manuel como é teu nome Aperta a cunha da cunha cunhá Dom Manuel dai-me paciência Aperta a cunha da cunha cunhá Dom Manuel é Rei de Roma Aperta a cunha da cunha cunhá.”
Algumas doutrinas referem-se especificamente ao Brasil, ainda como a pequena Vera Cruz diante da grandeza do Estado lusitano.
“Dom Manuel Bem Boçu Dom Manuel Boa
Dom Manuel da Vera Cruz Dom Manuel Boa.”
Outras, apenas falam da posição hierárquica assumida por essa entidade que chega a se confundir com um vodum.
“Fala Vodum Naê
Fala Vodum Naê
Dom Manuel ta na coqueira Fala Vodum Naê.”
Inquietei-me com uma letra que parece não ter lógica nenhuma, exceto quando associada ao fato de Dom Manuel esperar encontrar ouro no Brasil, da mesma forma que os espanhóis o fizeram nas colônias da
América Central.
“Dom Manuel
Pisa no ouro,
Pisa no ouro
Pra Dom Manuel.”
Quando os tambores entoam esse ponto, as pessoas dançam mais len- tamente e fazem um movimento com o pé, como se estivessem pisando em algo, talvez no mundo que estava sob os pés de Dom Manuel.
Como Oxalá, “D. Manuel” é representante do poder supremo de “criar” o mundo, ainda que esse verbo tenha que ser substituído pelo descobrir. Como Mawu, é único rei, centraliza o poder em suas mãos.
Ao adorar Dom Manuel, associado aos orixás e voduns da criação do mundo os afro-brasileiros metaforicamente definem o expansionismo lusitano e a chegada dos portugueses ao Brasil como marco zero de nossa existência. Nesse sentido, referir a Dom Manuel como o ancestral branco maior explica o sincretismo afro-católico que sincretiza ambos com a figura a Jesus Cristo.
A narrativa de nosso informante, apesar de curta, reconhece que Dom Manuel é realmente “O Venturoso” e o descreve como o descobridor de outros mundos, pois é “através do reinado de D. Manuel que o universo foi descoberto” (Pai Tayandô, adepto do tambor de mina). O mito prossegue exaltando o nacionalismo ibérico quando o narrador afirma que seu assenta- mento33 dessa entidade leva folha de oliveira.
A comida que seu filho Tayandô diz servir para ele são ovos nevados que, de acordo com o informante, teriam surgido dentro dos conventos, das gemas que sobravam quando as freiras iam fazer a hóstia. Na festa em sua homenagem, Dom Manuel apresenta-se todo vestido de branco, apoiado em uma bengala que, para mina do Maranhão configura símbolo status. Sai do quarto sagrado acompanhado por um filho de santo, de posição elevada na hierarquia do terreiro. Esse condutor carrega na mão um enorme guarda-sol branco, usado em outras manifestações negras como símbolo de realeza, a exemplo do Maracatu de Nação, parte do folclore pernambucano.
Na antessala do terreiro, construiu-se um trono todo ornamentado com tecidos de renda fina e tafetá brilhoso na cor prateada. No qual, após a apresentação pública e a entoada das doutrinas já descritas, Dom Manuel senta-se para receber os cumprimentos dos filhos de santo da casa, e demais visitantes, que se prostram aos seus pés em pedido de proteção.
Ao lado do referido trono havia uma pequena banqueta, também coberta por tecidos finos e sobre a mesma um bule e uma xícara de porcelana branca contendo chá de maçã, para destacar a sua nobreza.
Os nobres, ou senhores de toalha, dificilmente tomam cerveja ou falam pornografias, como alguns caboclos. Também não podemos dizer que são personagens brincalhões. Geralmente, apresentam-se com o semblante sério, o corpo curvo e os passos lentos, aos moldes do que Norbert Elias denomina como Sociedade de Corte.
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