a-perda-de-aquiles
Referência
André Malta - Selvagem Perdição
Platão - Hípias Menor
No canto 1, da Ilíada, Aquiles revelou o modo como Agamenon estava sendo rei: tomando os bens auferidos pelos guerreiros, e não aceitando devolver Criseida a seu pai, para aplacar a fúria de Apolo, convocada pelo velho. Um rei deve observar as necessidades dos soldados, se quer a participação deles naquilo que é o interesse dele. Naquela altura da história, Aquiles estava próximo de Atena, ou seja, falava palavras ordenadas e persuasivas, e Agamenon, que se achava favorecido pelos deuses, a ponto de dispensar a ajuda de Aquiles, estava na perdição, sem qualquer controle sobre o que fazia. Certa vez, o sofista Hípias falou para Sócrates que Aquiles, pela sua simplicidade, falava as coisas de forma direta e verdadeira, enquanto Odisseu falava com astúcia, escondendo a verdade. Mas, aquele que diz uma mentira, se a diz voluntariamente, tem domínio sobre o que diz. Da mesma forma que aquele que diz uma verdade voluntariamente, tem domínio sobre o que diz. A questão, portanto, não é dizer a verdade ou a mentira, mas o controle sobre o que se diz, que vem pelo conhecimento do que se diz. Aquele que não sabe do que fala, diz verdades ou mentiras sobre esse assunto, involuntariamente. O discurso de Agamenon era descontrolado, ele dizia o falso, o que não se realizaria, acreditando dizer o verdadeiro. Zeus não estava com ele, e ele não podia prescindir de Aquiles, como acreditava. Mas, as palavras de Aquiles se cumpriram, e a situação na guerra tornou-se desesperadora para os aqueus: os troianos não mais se abrigavam atrás da própria muralha, mas acampavam bem perto das naus dos invasores, e Heitor avançava com virilidade e certeza na vitória. Agamenon reconhece suas ações erradas, e manda que uma embaixada vá falar com Aquiles e oferecer-lhe riquíssimos bens, inclusive uma filha dele, para casamento. Odisseu, Fênix e Ájax chegam no retiro de Aquiles, e veem-no cantando glórias de heróis. Mas o herói deveria ser ele, agindo para tornar-se quem é! Aquiles estava se retirando do âmbito da glória. O herói é aquele que faz um grande feito. Na guerra, ele tem a ação decisiva, mas não sozinho, e sim com a parceria dos amigos e a ajuda dos deuses. O feito do herói será cantado, glorificando-o, e será uma vitória e um motivo de glorificação também para o exército e para o deus que ajudou. O herói jamais age por conta própria. Na visita da embaixada a Aquiles, Odisseu é o primeiro a falar, e ele o relembra de que o pai dele havia lhe dito para não deixar a raiva dominar-lhe o ânimo, e para não distanciar-se dos amigos. O pai também falou que Hera ou Atena ajudariam-no se elas quisessem. Odisseu disse essas coisas prevendo o que Aquiles lhe diria a seguir (na verdade, o próprio canto que Aquiles entoava, quando eles chegaram, indicava isso, pois falava da glória de outros heróis). Aquiles começa dizendo que falará de forma franca, sem astúcias, pois o astucioso é como o odioso Hades. Ao dizer isso, Aquiles pretende apontar para uma astúcia de Odisseu e, principalmente, daquele que o enviou, Agamenon. O rei só quer o braço dele para matar Heitor, e ficar com todos os bens e a glória, diz Aquiles. Acusando os outros de astúcia, de palavras mentirosas, Aquiles não vê que ele próprio mente, sem saber, pois Agamenon, em nome de todos os aqueus, realmente lhe pede ajuda. É desonroso recusar súplicas, é sinal de inimizade e impiedade. Aquiles demonstra soberba, ao preocupar-se apenas com a própria cólera, que então se torna injusta. Um herói não o é se abandona os amigos e se supõe que os deuses lhe ajudarão. Os amigos fazem o cenário que permite o feito heróico, e a ajuda de um deus é sempre descoberta durante a ação, não antes, e sempre causa espanto e anima ainda mais o homem. Aquiles diz a Odisseu que amanhã voltará para casa, abandonará a guerra. O destino dele, sabido por ele e pelos deuses, é morrer jovem, daí a sua busca pela glória. A vida em casa, para um guerreiro, é uma dupla negação da vida, pois é encontrar a morte e não encontrar a glória. Aquiles adentra a perdição, perdendo o controle do que faz. Ele não é mais um combatente entre os aqueus, não é mais um amigo e não é mais ele mesmo. A recusa em abandonar a própria cólera torna-a injusta. Odisseu não deixa de apontar para as consequências irreversíveis disso, na morte dos aqueus e, numa certeira previsão, na morte da pessoa que é a mais cara a Aquiles.
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